domingo, 4 de maio de 2014

O Central em São Pedro de Moel


Passados mais de vinte anos foi surpreendido com o contacto de um amor antigo que lhe propunha um encontro. A conversa foi curta, combinou para quarta-feira e os dois concordaram com o local eleito.

Entrou no café habitual na praia onde gosta de ir ás quartas-feiras, faz isso sempre que a vida lhe concede essa oportunidade e ao penetrar no espaço do café central do senhor António, notou um cheiro que de todo não lhe era indiferente. Ás vezes até cheiramos o que não existe.

Junto ao balcão o dono repara na sua chegada e pede um café ao empregado, ele olha quem está e depois olha para ela, a mesa seria aquela desde que estivesse livre, sabia que seria a escolha.

Olham um para o outro e sorriem, ele faz um gesto de que vai ter com ela mas antes procura na estante das revistas uma para levar para a mesa, estava inseguro e curioso, alguns presentes o vão distraindo com cumprimentos e dirige-se a ela, cumprimentam-se com dois beijos na face.

As histórias começam sempre assim.

Surpreendeste-me, começa ele. Não venho a S. Pedro vai para alguns anos, vim hoje, estou de férias e por acaso lembrei-me que tinhas esta rotina de vir aqui ás quartas-feiras. Fizeste bem, estás sozinha? Estou e estava na esperança que aparecesses, podias mudar de ideias.

Lá fora algumas gaivotas sobrevoam a esplanada e sente-se alguma agitação nas pessoas, ele mexe o café ela bebe um sumo de laranja.

Tenho momentos quando aqui venho que me lembro de nós, tanta atenção que despertávamos um ao outro, fomos egoístas, diz ele levando a chávena à boca.
Acho que não, foram as circunstâncias da vida, eu tinha de seguir os meus pais para Mourão, éramos novos e eu fui embora para a universidade, tu seguiste a tua vida.

Soube pela tua prima que tens uma filha?, sim, casou à quatro anos, vai ter bebé dentro de pouco tempo, vou ser avó, e procura a mala de mão pendurada na cadeira de onde tira uma foto da filha.
É linda, parecida contigo. Achas! Ela é tal e qual o pai.

Chegaste a casar?, interroga ele. Não. Vivi maritalmente mas não casei estou sozinha vai fazer três anos.
Eu levei algum tempo a relacionar-me com a tua ausência, fui vivendo, a tua filha tem bom relacionamento com o pai?, ele não é o pai. Surpreendido mostrou-se incrédulo: Olha agora, então. 
Essa é uma historia por contar, diz-lhe ela embaraçada.

Constrangido pediu outro café. Ela recusou outra bebida.

Já fez vinte e nove anos que aqui estivemos e tu partias no dia seguinte, lembro-me como se tivesse acontecido ontem, sentia-me como se morrera a morte, lembras que eu disse que seríamos eternos amantes, sorriste, eu não vi mas sei que foi assim. 

Quantos anos tem a tua filha. Vinte e oito.

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